Como se sabe, o benefício de prestação continuada foi instituído com a finalidade de amparar a pessoa portadora de deficiência ou idosa que demonstre hipossuficiência econômica, de modo que não possa prover a sua subsistência ou tê-la provida pelo núcleo familiar.
São exigidos pela CRFB/88 apenas dois requisitos para a concessão desse benefício assistencial, quais sejam: a) que o requerente seja pessoa portadora de deficiência ou seja idoso; e b) que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
A Lei 8.742/93, chamada Lei Orgânica da Assistência Social, que regula a concessão desse benefício, dispõe em seu art. 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(…)
§3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Ocorre que muitas famílias possuem renda familiar per capita superior a ¼ do salário-mínimo, mas possuem diversas despesas advindas dos cuidados especiais com a pessoa idosa/deficiente do grupo familiar, através de gastos com medicamentos, alimentos etc.
Assim, surge a dúvida se esses gastos podem ser abatidos da renda familiar per capita no momento de ser feito o cômputo da renda para analisar se o grupo familiar possui direito a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Por exemplo:
- O requerente possui renda familiar mensal de R$ 1.200,00 e vive com mais uma pessoa;
- Assim, a renda familiar per capita mensal desse grupo é de R$ 600,00 (R$ 1.200,00 divididos por 02 pessoas);
- Essa renda se encontra acima do limite permitido para recebimento do BPC/LOAS, que é de R$ 330,00 (¼ do salário-mínimo [R$ 1.320,00]);
- Contudo, em virtude de sua deficiência, o requerente possui despesas médicas mensais no montante de R$ 550,00. A renda que lhe resta, portanto, é de R$ 650,00;
- Caso utilizemos, agora, essa renda de R$ 650,00 como base, chegaremos à renda per capita mensal familiar de R$ 325,00 (R$ 650,00 divididos por 02 pessoas), passando a estar dentro do limite permitido em lei (R$ 330,00);
É possível realizar esse abatimento das despesas extraordinárias no cálculo?
O critério atualmente previsto na LOAS (renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo) não pode ser analisado de maneira única e objetiva, motivo pelo qual os tribunais vêm entendendo que a análise da condição de “miserabilidade” deve perpassar por uma avaliação ampla do julgador, observando o contexto social.
Nesse sentido, é se observar que existem despesas que podem ser subtraídas da renda familiar para fins de concessão do BPC/LOAS, a exemplo de despesas médicas, que podem ser presumidas ou comprovadas.
Ademais, a jurisprudência pátria já admite a possibilidade da utilização de critérios extra legem para aferição do estado de miserabilidade, como o contexto social em que o indivíduo está inserido e todas as despesas advindas dos seus cuidados especiais, abatendo-se gastos ordinários realizados com medicamentos, alimentos e outras despesas mínimas que garantam a sobrevivência do grupo familiar, pois os critérios da lei constituem apenas um norte, uma base legal para aplicação do instituto.
Nesse sentido, vejamos as ementas abaixo:
E M E N T A ASSISTÊNCIA SOCIAL. BCP. DEFICIENTE. MENOR IMPÚBERE. RENDA PER CAPITA. PRESUNÇÃO RELATIVA. DEMANDAS EXTRAORDINÁRIAS EM FUNÇAO DA NATUREZA DA DEFICIÊNCIA. RECURSO DO INSS A QUE SE NEGAPROVIMENTO. 1. É devido o Benefício de Prestação Continuada no valor de uma salário mínimo ( Constituição Federal, em seu art. 203, V). ao deficiente que comprovar deficiência ou impedimento de longo prazo igual ou superior à dois anos ( parágrafo 2º do art. 20, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis 9.720/98, 12.435/2011 e 13.146/2015e estado de miserabilidade. 2. A renda per capita inferior a meio salário mínimo é presunção relativa de miserabilidade. 3. No caso dos autos o autor autista demanda de tratamentos e alimentação especial que não vem sendo atendida pela renda familiar. 4. Recurso do INSS a que se nega provimento.
(TRF-3 – RecInoCiv: 50001288220204036120 SP, Relator: Juiz Federal TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL, Data de Julgamento: 07/02/2022, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: DJEN DATA: 10/02/2022)
ASSISTÊNCIA SOCIAL. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA – BPC À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. REVISÃO ADMINISTRATIVA DETECTOU A SUPERAÇÃO DO REQUISITO SOCIOECONÔMICO. IMPEDIMENTO GRAVE (PARALISIA CEREBRAL) E NECESSIDADE DE ASSISTÊNCIA PERMANENTE DE TERCEIROS. DESPESAS EXTRAORDINÁRIAS COMPROVADAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO.
(TRF-5 – RI: 05119057820214058100, Relator: GUSTAVO MELO BARBOSA, Data de Julgamento: 07/07/2022, Segunda Turma, Data de Publicação: Creta 07/07/2022 PP-)
Como se vê, portanto, é possível comprovar despesas extraordinárias e obter o abatimento desses valores no cômputo da renda familiar mensal per capita, para fins de obtenção do benefício assistencial de prestação continuada, de modo que a renda, anteriormente superior ao permitido (¼ do salário-mínimo), fique abaixo do limite legal após a dedução dos gastos extraordinários.