Como se sabe, o benefício de prestação continuada foi instituído com a finalidade de amparar a pessoa portadora de deficiência ou idosa que demonstre hipossuficiência econômica, de modo que não possa prover a sua subsistência ou tê-la provida pelo núcleo familiar.
São exigidos pela CRFB/88 apenas dois requisitos para a concessão desse benefício assistencial, quais sejam: a) que o requerente seja pessoa portadora de deficiência ou seja idoso; e b) que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. A Lei 8.742/93, chamada Lei Orgânica da Assistência Social, que regula a concessão desse benefício, dispõe em seu art. 20
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(…)
§3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Isso posto, é comum surgir a dúvida se o critério de renda familiar mensal per capita igual ou inferior a ¼ do salário-mínimo pode ser flexibilizado, permitindo que núcleos familiares com renda mensal per capita acima de ¼ do salário-mínimo tenham acesso ao BPC/LOAS.
Assim, interessante mencionar que a comprovação de renda per capita familiar inferior a ¼ do salário-mínimo é tida, atualmente, como um critério defasado e considerado inconstitucional pelo STF (Reclamação 4374/PE).
O Supremo Tribunal Federal, quando provocado para suscitar sobre o tema, concluiu, por maioria dos votos, pela inconstitucionalidade – decorrente de notórias mudanças fáticas, políticas, econômicas, sociais – do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto (1/4) do salário mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Foi declarada, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 580.963/PR, a inconstitucionalidade parcial por omissão do art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/93.
A doutrina e jurisprudência pátrias promoveram a flexibilização dos parâmetros do conceito de renda familiar para fins de cálculo dos benefícios, para que não restasse inviabilizado o mandamento constitucional e maculado o princípio da isonomia. Ademais, não se pode olvidar que trata-se de benefício de cunho assistencial, o que impõe a verificação da presença de seus requisitos legais em sintonia com as diversas legislações e políticas públicas voltadas à Assistência Social, haja vista que se apresentam como substrato a dignidade da pessoa humana.
Nesse cenário, tem-se entendido como parâmetro razoável o limite de renda per capita de até ½ salário-mínimo, consagrado em diplomas posteriores à LOAS para fins de concessão de outros benefícios sociais a famílias de baixa renda, a exemplo da Lei nº 10.689/2003, que criou o Programa Nacional de Acesso à Alimentação, e do Decreto nº 6.135/2007, que instituiu o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Vale colacionar aqui a ementa da Turma Nacional de Uniformização ao apreciar o pedido de uniformização de jurisprudência:
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PARA CONCESSÃO. CRITÉRIO DE RENDA PER CAPITA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. CRITÉRIO CONSIDERADO INSUFICIENTE, POR INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA, NOS TERMOS DELIBERADOS PELO STF. MISERABILIDADE. CONCEITO. NECESSIDADE DE CONSIDERAR IN CONCRETO A SITUAÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR E SUA VULNERABILIDADE SOCIAL. ESTATUTO DO IDOSO, ARTIGO 34, PARAGRAFO ÚNICO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO.
4. Numa primeira análise, já se observa que o acórdão recorrido encontra-se em rota de colisão com a mais recente jurisprudência do STF sobre o tema. O STF orientou sua jurisprudência no sentido de que considerar inconstitucional, por progressividade legislativa, o critério, já defasado na realidade hodierna, de ¼ de salário mínimo per capita para definir o conceito de miserabilidade. 5. Após o mencionado julgamento, o conceito de miserabilidade deve ser entendido sob configuração ampla, envolvendo o cotejo dos vários aspectos sociais em que está inserido o núcleo familiar, sobretudo a sua vulnerabilidade. Além disso, em qualquer caso, a percepção superior de renda superior a ¼ de salário per capita não mais pode ser como critério limitador do benefício. Em definitivo, foi exatamente o que restou feito pela turma recursal de origem. 6. Mais ainda. Este Colegiado, interpretando o artigo 34, par. Ún., da Lei 10.741/2003 (“O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS”), já decidiu que “em se tratando de valor correspondente a um salário mínimo, o benefício deve ser excluído da renda do grupo familiar, ainda que tenha natureza previdenciária. Aqui, a diferença entre a natureza dos benefícios secunda o valor essencial de cunho econômico”. (Processo nº 2007.83.03.50.4325-3, Rel. Jaqueline Bilhalva). Assim sendo, e aplicando-se a legislação de regência (Art. 34, par. Único, do Estatuto do Idoso), a renda familiar é igual a “zero”. 6. Diante dessas considerações, voto por conhecer e dar provimento ao presente incidente de uniformização, para restabelecer os termos da d. sentença de 1º. Grau.
(TNU – PEDILEF: 50420636920114047000, Relator: JUIZ FEDERAL BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁ, Data de Julgamento: 12/11/2014, Data de Publicação: 05/12/2014)
Portanto, a jurisprudência pátria já entende que a percepção de renda mensal familiar per capita superior a ¼ do salário-mínimo não mais pode ser critério limitador do benefício, sendo admitida a possibilidade de obter a concessão do benefício em favor de núcleos familiares com renda mensal per capita acima de ¼ do salário-mínimo.
Como exposto, tem sido entendido como parâmetro razoável o limite de renda per capita de até ½ salário-mínimo.